Polícia, democracia e informações
Lúcio Alves de Barros*
Um novo espectro ronda a região metropolitana de Belo Horizonte. O espectro da mentira. Um fenômeno perigoso, contraditório, complexo e leviano. A coisa já não é nova e finalmente parece ter chegado às páginas de determinados jornais e nesse mundo da internet de ninguém. O fantasma que ora aparece aqui e ali diz respeito à manipulação de informações referentes à segurança pública e, por ressonância, à segurança privada, ou, como quer a polícia, “a sensação de segurança objetiva e subjetiva”. A população manipulada e alienada como é, obviamente não tem a mínima noção da seriedade do fenômeno - provavelmente político - que ainda está em pleno desenvolvimento. Neste caso, dentre tantas coisas, destaco três.
Em primeiro, é intolerável, inadmissível e vergonhoso o caminho que vem percorrendo o governo na indefinição, incongruência e falsificação das informações acerca da segurança que, em pouco tempo levou Minas Gerais a ser “a menina dos olhos do governo” com secretaria e tudo mais. É claro que lidar com a segurança pública não é o mesmo que trabalhar com sabonetes, carros, roupas e outras mercadorias tangíveis. Pelo contrário, no campo da segurança pública estamos lidando com vidas e com patrimônios construídos por tempos. Mais que isso, desde o suspiro liberal tentamos a manutenção da paz , da ordem, da liberdade e quem sabe um dia, da igualdade. Tudo, nos dias atuais, amparados no que entendemos por democracia e estado de direito. Democracia esta sem lugar e bêbada, pois apesar de mantida por nossos impostos as instituições coercitivas do estado que tem por função a manutenção desta democracia anda pensando em aumento salarial – o que é legítimo – e em maquiagem de dados - o que é ilegítimo e criminoso. Dito de outra forma, a política de segurança pública em Minas Gerais, colocada como “modelo” no país, caiu de quatro, virou piada e mostrou uma face feia e medonha, pois finge e se mantém no que pregou nos últimos mais ou menos sete anos. A denúncia de maquiagem dos dados levada ao público corajosamente pelo Jornal “O Tempo” revela que o Estado e os agentes dele não sabem sequer de quem é a responsabilidade e quais são as consequências do que foi feito em relação à maquiagem das informações a respeito da segurança pública em Minas.
O desconhecimento do público e a irresponsabilidade governamental nos leva para o segundo ponto. É imperdoável o acontecimento. As informações sobre segurança por definição devem ser públicas e transparentes, haja vista que mais do que nunca se acredita que a população deve e pode ajudar no desenvolvimento andamento de políticas de segurança pública, a não ser que a polícia comunitária seja outra maquiagem. Com efeito, torna-se imperioso nesse sentido uma auditoria séria nos dados divulgados pela Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds). As manipulações de estatísticas e de informações produzidas em tempo real, ou depois nas salas com ar condicionado, indicam que interesses pessoais e corporativos dos integrantes tanto da Polícia Militar como da Polícia Civil falaram mais alto. As polícias, certamente atreladas, apertadas, cobradas e submissas ao famoso “acordo de resultados” mostram o que os administradores da secretaria querem ver. Em outras palavras, as instituições coercitivas do estado nada mais fizeram do que levar a efeito um verdadeiro teatro no intuito de no final atender - e é claro - receber palmas do governo que não deixou de premiar, investir, promover todos aqueles que alcançaram as famigeradas metas. Como toda recompensa anda de mãos dadas com a punição, aos que não alcançavam as metas sobraram as transferências, o assédio moral e as aposentarias que provavelmente jogaram para as piranhas a turma do contra ou aqueles que se esforçaram por nadar contra a maré. A questão tornou-se agora um verdadeiro “caso de polícia” e cumpre ao Ministério Público ou mesmo à população que anda em Conselhos Comunitários de Segurança Pública a cobrança da verdade e com ela as informações verdadeiras sobre a segurança, porque 30 homicídios por cada 1000 mil habitantes é inaceitável em qualquer sociedade que se diz civilizada.
No que toca a questão criminal talvez se faça necessário não somente a auditoria, mas toda revisão do que se entende por resultados. Até porque nada mais fizemos do que incorporar do exterior as experiências que, no Brasil, mereciam novas roupagens, seja por nossa peculiar cultura, seja por nossa estrutura política e social ser sempre conturbada e em descontrole. Não é possível bolinhas de crack transformar usuário em traficante. O mesmo acontece com os corpos com tiros na nuca ou com mais de cinco tiros que se transformam em “tentativa de homicídio” ou “suicídio”. Tais fatos, associados à questão gerencial, provavelmente forjaram mais que um “acordo de resultados explícito”, mas configurou “acordos tácitos” que andaram de mãos dadas com a política que se fossem reveladas em tempos de eleição tenho sérias dúvidas se o governo pararia em pé. De todo modo, pelo menos já sabemos que é possível no mundo das estatísticas criminais, mostrar que lambari é piranha e que golfinho é tubarão.
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O terceiro e último ponto é que, apesar de todo arcabouço jurídico ainda precisamos da mídia para denunciar tais fatos que não podem “ficar no por isso mesmo”. A mídia revelou que nossa política de segurança pública é uma falácia e o mesmo vem dizendo alguns deputados em audiências públicas na assembleia. A questão é clara: “quem vai ser responsabilizado por tais erros?” A mídia já denunciou. Ninguém apareceu. Tentaram esconder os dados e depoimentos de administradores de polícia levantaram a triste hipótese de erros, maquiagens e manipulações por mais de 06 anos. Se o fato não é sério não sei mais o que é sério nesse país. O certo é que a população foi e está sendo vergonhosamente enganada, descaradamente desprotegida e a manipulação das estatísticas , como mentirosas, não deixa de trazer mais e mais desconfiança nas polícias militar e civil. Esta é a face hipócrita do Estado Penal: mostra o que quer, revela o que pode, esconde o que deseja e pouco se importa com o outro. A contradição é clara, a população paga por um serviço enganoso e uma boa ideia seria reclamar no PROCON, pois desde a implantação da "Polícia de Resultados" a polícia lida é com clientes e não com o hoje - e inseguro - cidadão. Se a polícia e as instituições atreladas a ela maquiaram as informações cabe ao governo explicar a situação, buscar os responsáveis, solucionar os problemas e revelar caos que Minas Gerais está passando simplesmente porque decidiram nebulosamente enfeitar o boi que a sociedade anda pagando.
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Para finalizar, em estados democráticos de direito é crucial uma segurança pública com transparência. Quando as coisas estão escondidas é sinal de que algo não vai bem e é questão de tempo para que dúvida seja plantada e depois dela a ansiedade e o medo. Talvez uma auditoria seja o início, mas de nada ela vale se a segurança pública ainda ficar refém dos acordos de resultados que tem por base a recompensa e a punição, como se quarteis e delegacias funcionassem como fábricas, lojas de conveniência, postos de gasolina ou qualquer birosca de camelô. E detalhe, para que fique bem claro, sonegar informações nesse campo nos dias de hoje é no mínimo uma questão de polícia (de qual, já não sei mais). O que se pode afirmar com certeza é que tais dados não podem é cair nas mãos dos ladrões.
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*é doutor em ciências humanas pela UFMG. Organizador do livro “Polícia em Movimento”. Belo Horizonte: Ed. ASPRA, 2006.
Lúcio Alves de Barros
Enviado por Lúcio Alves de Barros em 13/03/2012
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