quarta-feira, 31 de dezembro de 2025

 


Assunto: O que é um Policial em Estado de Vulnerabilidade?


Um policial em estado de vulnerabilidade não é aquele que está bem.

Não é quem chega em casa com a vida organizada, a família sorrindo, planos definidos e paz.

Esse policial não acorda um dia e decide morrer. Isso não existe.

Quem chega a esse ponto já vinha morrendo antes, aos poucos, em silêncio, sem plateia.

Ao revisitar histórias de colegas que partiram, não se encontra conforto, mas dor:

amores rompidos, corações esmagados, dependências, dívidas, solidão e um cansaço que não passa nem com descanso.

Falo porque sobrevivi.

Até 2023, eu também acreditava ter uma vida perfeita. A queda não faz barulho. Ela começa devagar: o sono some, a mente não desliga, a medicação surge como apoio e vira muleta. Depois, vira prisão.

As escalas desgastam o corpo.

O salário não acompanha o custo da vida.

Queremos o básico: comida digna, moradia, cuidar de quem amamos.

Para isso, muitos se endividam. Um empréstimo hoje, outro amanhã, até não existir mais amanhã.

Quando a dificuldade entra pela porta, o amor muitas vezes sai pela janela.

Fui abandonado durante uma internação psiquiátrica. Não culpo quem se foi. Conviver com alguém em ruínas também dói.

Pedi ajuda.

E pedir ajuda dentro da polícia é humilhante. É se despir da farda por dentro.

Ainda assim, eu pedi. Chorei. Tentei voltar.

Carregava uma culpa enorme: a sensação de desonrar minha história, meus anos de serviço, quem eu fui.

Sobreviver não significa estar salvo.

Às vezes, significa apenas continuar respirando com uma dor ainda maior.

Depois disso, minha vida não melhorou. As dificuldades permaneceram.

Policial em estado de vulnerabilidade não é quem está bem.

É quem foi sendo desmontado por dentro, aos poucos, sem ninguém perceber.

É quem pediu ajuda e encontrou silêncio.

É quem sobreviveu e agora carrega o peso de continuar.

Se muitos que morreram tivessem sobrevivido, talvez estivessem exatamente onde eu estou hoje:

respirando, cansados, em silêncio.

Tudo o que eu queria era recuperar minha dignidade, minha honra, e seguir em frente.

No lugar disso, encontrei apenas dificuldade. Sempre dificuldade.

Que este texto não seja lido como despedida.

Que seja lido como alerta.

Porque o suicídio policial não começa no gatilho.

Ele começa na indiferença.

E quando a instituição não mata o corpo, muitas vezes termina de matar a alma.

Feliz Ano Novo.

Respeitosamente,

Hugo Rafael Barbosa

Cabo PM – 03º BPM